Roucoulons, um queijo misterioso
Chegou às prateleiras dos supermercados em 1987, com um nome original e dificilmente traduzível em português: "vamos arrulhar", ou seja, que façamos o barulho que os pombos fazem. Uma trincada, e percebemos porquê.
Adoro os queijos de pasta mole, ainda mais quando a crosta é mista: florida e lavada. O Roucoulons é um destes queijos, com todas as qualidades dos dois tipos de crosta, com uma pasta feita de leite de vaca pasteurizado que nunca chega a derreter.
Um queijo de crosta mista
Quando se come um Roucoulons, o que se denota mais, a meu ver, é esta crosta bem particular. O seu sabor é intenso, com um toque aveludado, algo de novo no mundo dos queijos. Para chegar a este resultado, o queijo é lavado, ou seja, é tratado várias vezes durante o seu amadurecimento, para que ele tenha sabores mais intensos. O queijo é esfregado e lavado, e, particularidade do Roucoulons, a sua crosta também é florida.
Para se obter uma crosta florida, como a de um camembert, é preciso aplicar-lhe mofo. Dito desta forma, parece horrível, mas este mofo é muito especial: é penicilina! Para quem não se lembra, a penicilina, um género de cogumelo microscópico, é um antibiótico.
As duas técnicas combinadas permitem um queijo de grande sabor, apesar de ser elaborado com leite pasteurizado. Eu sempre afirmei que o facto de ser leite cru ou pasteurizado não fazia tudo, existem queijos de leite cozido excelentes e queijos de leite cru medianos, ou mesmo maus.
Queijo de Franche-Comté
A região onde está a fromagerie do nosso Roucoulons, fronteiriça com a Suiça, é uma das grandes regiões de queijo francês. Basta pensar obviamente no comté, mas também na cancoillotte, no mont d’or e no morbier, todos com o selo de qualidade DOP. Maravilhas do património culinário francês e mundial.
Numa região como esta, de grande riqueza e diversidade de queijos, uma queijaria abriu em 1921, a “fromagerie Milleret”, na pequena aldeia de Charcenne (pouco mais de 300 moradores). Esta fromagerie, que ainda opera na mesma aldeia, ainda hoje é familial, pertencente à mesma família desde a fundação, independente dos grandes grupos industriais.
Os seus queijos são bem conhecidos do grande público francês, para além do Roucoulons, a queijaria também comercializa o famoso Ortolan. Para fazer frente às grandes distribuidoras que fazem concorrência com as suas próprias marcas, a fromagerie Milleret criou uma “marca mãe”, a “Paysange”, uma contracção das palavras “pays” e “ange”, ou seja, “país” e “anjo”. Porque não, para mim, é sempre uma pena quando uma firma, que têm um excelente produto, têm que lutar pela sobrevivência com conceitos de marketing.
Vimos que a fromagerie Milleret, ainda fica na mesma aldeia do que há quase cem anos. Mas também é uma queijaria que compra o seu leite exclusivamente na sua região! Todos os ingredientes para criarem um grande queijo, amigo do ambiente, do património e das pessoas estão reunidos.
Queijo e marketing
A história do Roucoulons é desconhecida. Sabemos só que ele existe desde 1987, e que nunca ninguém veio contar algo de especial sobre o seu passado. Talvez porque não têm! O Roucoulons nem sequer procura a fazer de conta, como o Saint Agur, o seu aspecto moderno é assumido.
Nas publicidades, o que é valorizado, é o seu sabor, e chega. Outro aspecto valorizado, para quem sabe, é a sua compatibilidade com a alimentação vegetariana. Isto em Portugal não nos fala muito, já que uma grande parte dos queijos nacionais utilizam para fazer queijo coagulantes de origem vegetal (cardo) e não animal.
Nunca saberemos ao certo porque razão os profissionais do marketing escolheram um nome tão estranho para um queijo. Eu cá penso que deve ser porque “roucouler” em francês também se diz de um apaixonado que diz, durante horas a fio, palavras doces à sua apaixonada. As suas publicidades especiais para o dia dos namorados nem nos deixa margem para dúvidas…
O sabor do queijo em boca deve ser assim a mesma coisa do que o som suave no ouvido quando se “roucoule”. Por isso é que se nota dois pombos na caixa, que devem estar a partilhar palavras suaves ao ouvido… ou um bom queijo. Mas é preciso fazer frente aos três grandes grupos do queijo que são Bel, Lactalis e Savencia Fromage & Dairy (antiga Bongrain), que controlam 40% do mercado em conjunto com as marcas distribuidoras, que controlam outros 45%. Sobram as migalhas para os nossos pequenos produtores.
O que beber (e comer) com Roucoulons
Mas vamos deixar de lado estas considerações políticas, para irmos ao que interessa mesmo. Este queijo, como quase todos os queijos de pasta mole, pode ser apreciado durante vários momentos da sua vida, tal como é aconselhado na própria embalagem. Se o consumir 30 dias antes da data limite, o seu sabor será ligeiro, e a sua crosta ligeiramente colorida. Se o consumir 15 dias antes, o sabor será um pouco mais intenso, já com uma crosta alaranjada. Se conseguir aguentar até menos de 15 dias antes da data, poderá apreciar o Roucoulons como deve ser na minha opinião: um sabor forte, com uma crosta laranja.
Para acompanhar, nada mais fácil: um vinho tinto e seco da região será perfeito, como um “Côtes du Jura” ou um “arbois”. Para comer, pode muito bem cozinhar com Roucoulons, existe um sem fim de receitas que utilizam este queijo. Pode ser uma lasanha, croquetes ou tarte, a sua imaginação é o limite.
Para quem quer imaginar o sabor, muito difícil de descrever com palavras, pode imaginar que o queijo mais parecido a este nível será talvez o Pont-l’Evêque, um queijo que pode encontrar facilmente no Leclerc. Digo bem talvez, já que o sabor do Roucoulons é algo de único.
Onde comprar Roucoulons em Portugal
Boa notícia: já vi uma versão do Roucoulons em Portugal: o Roucoulons Bio, feito com leite de vaca oriundo da agricultura biológica. A vantagem de ser biológico não é flagrante, a não ser um maior respeito do meio ambiente e dos animais. Para encontrar o Roucoulons Bio, uma pequena ida ao El Corte Inglés mais próximo basta. Se gostar, venha cá partilhar o que achou 🙂